Roberto Lent
Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino
Cátedra Unesco de Ciência para
Educação
“Na Educação, essa relação entre a pesquisa científica e a educação tem avançado, mas ainda não se consolidou, na maioria dos países do mundo, até mesmo os mais desenvolvidos.”
“Há vários obstáculos para a construção dessa ponte: de um lado, muitos cientistas não se preocupam em desenvolver linhas de pesquisa que sejam translacionais para a educação e a pedagogia, e encaram com certa arrogância os educadores no chão da escola.”
“A humanidade merece um impulso na construção da ponte entre ciência
e Educação: que seja rápida para já beneficiar as atuais e próximas gerações de crianças, que seja eficiente ao fazê-lo em pouco tempo, e que seja igualitária para beneficiar não apenas os países desenvolvidos.”
Roberto Lent
Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino
Cátedra Unesco de Ciência para
Educação
Políticas educacionais e práticas pedagógicas inovadoras têm mais chance de sucesso se forem baseadas na pesquisa científica que estabelece pontes com a educação
FOTO: MARCELO CAMARGO/ AGÊNCIA BRASIL
Se você está lendo a expressão “Ciência para Educação” pela primeira vez, provavelmente a interpretará como relacionada ao ensino de ciências nas escolas, ou talvez à divulgação científica para alunos, professores e até o público leigo. Não, não é isso que a expressão quer dizer. Trata-se da pesquisa científica que estabelece pontes com a educação, ou seja, olhando ao contrário, de políticas educacionais e práticas pedagógicas baseadas em evidências científicas.
A palavra “ponte” vem bem a calhar, pois significa que esses dois ícones da civilização humana devem se comunicar, interagir, influenciar-se mutuamente, em benefício de ambos. Pontes assim estão bem construídas e ativas na Saúde e na Engenharia, por exemplo. Não se consegue debelar uma pandemia sem que a Ciência tenha se debruçado sobre ela, compreendido suas causas, sintomas, modos de transmissão e tudo mais, para com isso indicar caminhos de prevenção (vacinas, no caso) e mitigação (tratamento de sintomas). Do mesmo modo, não se consegue construir um avião sem que todos os detalhes físicos da navegação aérea estejam mapeados, e sem que a composição dos materiais necessários para o voo seja bem conhecida.
Na Educação, essa relação entre a pesquisa científica e a educação tem avançado, mas ainda não se consolidou, na maioria dos países do mundo, até mesmo os mais desenvolvidos. Há vários obstáculos para a construção dessa ponte: de um lado, muitos cientistas não se preocupam em desenvolver linhas de pesquisa que sejam translacionais para a educação e a pedagogia, e encaram com certa arrogância os educadores no chão da escola.
De outro lado, a formação de professores nas universidades confere exclusividade às ciências humanas e sociais, e não avalia como relevante a contribuição de outras disciplinas científicas, como a neurociência, a matemática e a estatística, a biologia e a física, entre tantas outras. No entanto, a explosão da inteligência artificial e seus usos e desusos educacionais é uma criação dos cientistas de dados. Já as políticas e práticas pedagógicas de inclusão de pessoas com necessidades especiais dependem de evidências obtidas pelos neurocientistas, neuropediatras, psicólogos e outros. Inúmeros outros exemplos poderiam ser elencados, e alguns deles constam do livro comemorativo dos 10 anos de existência da Rede Nacional de Ciência para Educação .
Se você está lendo a expressão “Ciência para Educação” pela primeira vez, provavelmente a interpretará como relacionada ao ensino de ciências nas escolas, ou talvez à divulgação científica para alunos, professores e até o público leigo. Não, não é isso que a expressão quer dizer. Trata-se da pesquisa científica que estabelece pontes com a educação, ou seja, olhando ao contrário, de políticas educacionais e práticas pedagógicas baseadas em evidências científicas.
“Na Educação, essa relação entre a pesquisa científica e a educação tem avançado, mas ainda não se consolidou, na maioria dos países do mundo, até mesmo os mais desenvolvidos.”
A palavra “ponte” vem bem a calhar, pois significa que esses dois ícones da civilização humana devem se comunicar, interagir, influenciar-se mutuamente, em benefício de ambos. Pontes assim estão bem construídas e ativas na Saúde e na Engenharia, por exemplo. Não se consegue debelar uma pandemia sem que a Ciência tenha se debruçado sobre ela, compreendido suas causas, sintomas, modos de transmissão e tudo mais, para com isso indicar caminhos de prevenção (vacinas, no caso) e mitigação (tratamento de sintomas). Do mesmo modo, não se consegue construir um avião sem que todos os detalhes físicos da navegação aérea estejam mapeados, e sem que a composição dos materiais necessários para o voo seja bem conhecida.
Na Educação, essa relação entre a pesquisa científica e a educação tem avançado, mas ainda não se consolidou, na maioria dos países do mundo, até mesmo os mais desenvolvidos. Há vários obstáculos para a construção dessa ponte: de um lado, muitos cientistas não se preocupam em desenvolver linhas de pesquisa que sejam translacionais para a educação e a pedagogia, e encaram com certa arrogância os educadores no chão da escola.
De outro lado, a formação de professores nas universidades confere exclusividade às ciências humanas e sociais, e não avalia como relevante a contribuição de outras disciplinas científicas, como a neurociência, a matemática e a estatística, a biologia e a física, entre tantas outras. No entanto, a explosão da inteligência artificial e seus usos e desusos educacionais é uma criação dos cientistas de dados. Já as políticas e práticas pedagógicas de inclusão de pessoas com necessidades especiais dependem de evidências obtidas pelos neurocientistas, neuropediatras, psicólogos e outros. Inúmeros outros exemplos poderiam ser elencados, e alguns deles constam do livro comemorativo dos 10 anos de existência da Rede Nacional de Ciência para Educação .
“Há vários obstáculos para a construção dessa ponte: de um lado, muitos cientistas não se preocupam em desenvolver linhas de pesquisa que sejam translacionais para a educação e a pedagogia, e encaram com certa arrogância os educadores no chão da escola.”
Instrumentos de avaliação
Estrategicamente, as políticas educacionais e práticas pedagógicas inovadoras têm mais chance de sucesso se forem baseadas na pesquisa científica translacional. Essas ações que os gestores e educadores propõem podem ser baseadas em intuições às vezes brilhantes, mas seus resultados só vão ser conhecidos depois de alguns anos de aplicação prática. É uma aposta de risco. Os instrumentos de avaliação que proporcionam esse conhecimento retrospectivo já são uma conquista em muitos países e em níveis internacionais.
Em âmbito global, por exemplo, é bem conhecido o teste PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na sigla em inglês), aplicado de 3 em 3 anos em cerca de 70 países. Os países do chamado Sul Global, especialmente o Brasil, têm tido ao longo de décadas um desempenho deplorável em ciências, matemática e leitura, muito aquém da média dos países avaliados, e ainda mais distante dos 10 países líderes. Observa-se um pequeno crescimento, mas tão pequeno que se assim se mantiver nos permitirá alcançar a média apenas daqui a muitas décadas.
Avaliar é importante, obviamente, e os países que avaliam a sua educação obtêm instrumentos para corrigir suas políticas públicas educacionais. Do mesmo modo, por exemplo, ao avaliarmos daqui a alguns anos os resultados da proibição dos celulares nas salas de aula, teremos instrumentos importantes para manter ou corrigir essa política recém implantada em muitos países. Novamente: é uma aposta.
Mas há outra modalidade de pesquisa translacional em educação que difere das avaliações retrospectivas. Trata-se de uma pegada prospectiva, pela qual os países constroem uma malha de instituições de pesquisa e de cientistas voltados para as questões da educação. Um exemplo: os cronobiólogos, cientistas que estudam os ritmos biológicos, como é o caso do sono, já sabem que muitos seres humanos são vespertinos, tendência acentuada pela civilização humana que cria profusamente ambientes noturnos bem iluminados e retarda o início do sono. São muitas as pessoas que vão dormir tarde da noite, e tendem a acordar também mais tarde pela manhã.
Uma minoria é composta de pessoas matutinas: as que vão para a cama cedo, e acordam idem. As mesmas proporções, é claro, ocorrem também com as crianças, ainda mais quando incentivadas por ferramentas digitais de fácil acesso noturno (celulares, outra vez). Agora imaginem a dificuldade da maioria das crianças em aprender, começando as aulas às 7 horas, tendo muitas que acordar duas horas antes para o café-da-manhã e o transporte para a escola. Os professores estarão lidando com aprendizes semiadormecidos…
Dessas evidências sobre o ciclo do sono vem a recomendação dos cientistas – já tentada e testada com sucesso em algumas escolas brasileiras e em algumas cidades estadunidenses – de adiar uma ou duas horas o início das aulas pela manhã. Dificuldades para a implantação dessa sugestão existem, é claro, como em todas as mudanças de políticas e práticas. Uma delas é a persistência das escolas com dois turnos, e a ainda incipiente adoção do turno único.
“A humanidade merece um impulso na construção da ponte entre iência
e Educação: que seja rápida para já beneficiar as atuais e próximas gerações de crianças, que seja eficiente ao fazê-lo em pouco tempo, e que seja igualitária para beneficiar não apenas os países desenvolvidos.”
Subdesenvolvimento e pobreza
Outro exemplo relevante vem dos economistas e sociólogos, que puderam acompanhar os desfechos sociais e individuais ao longo dos anos de pessoas adultas que, quando crianças pequenas, tiveram acesso à educação de boa qualidade. Trata-se de um trabalho que valeu um prêmio Nobel em economia no ano 2000. Os pesquisadores focaram em pessoas provenientes de uma comunidade pobre dos Estados Unidos, que nos anos 1960 vivenciaram um projeto de educação de alta qualidade (Perry Pre-School Project).
O estudo demonstrou um alto grau de sucesso social dessas crianças, depois adultos aos 40 anos: maior índice de conclusão do ensino médio, melhor aprendizado, maiores salários e menor criminalidade. E mais: os benefícios se estenderam aos filhos dessas pessoas. A recomendação que advém desse trabalho chamado “longitudinal”, pois acompanha os mesmos estudantes ao longo do tempo, é que o investimento educacional e social de maior grau de sucesso deve ser focado na primeira infância. Um exemplo virtuoso de pesquisa translacional em educação.
Por outro lado, o emprego de evidências científicas – retrospectivas ou prospectivas – nas políticas e práticas educacionais obviamente não deve ser considerado uma alternativa mágica de sucesso. Inclusive porque as evidências que a ciência oferece frequentemente apresentam grandes dificuldades de aplicação na prática.
O que defendo aqui, e o que defendemos na Rede Nacional de Ciência para Educação, é que, no conjunto, diminuiremos a taxa de risco de insucesso das políticas públicas e aumentaremos a diversidade de alternativas pedagógicas oferecidas aos professores e educadores em geral. A Unesco tem reconhecido essa possibilidade ao nível global, seja pelo endosso desta Cátedra de Ciência para Educação que patrocina YVIRÁ, seja pela criação de instâncias internacionais para fomentar a perspectiva de pesquisa translacional em educação.
A humanidade merece um impulso na construção da ponte entre Ciência e Educação: que seja rápida para já beneficiar as atuais e próximas gerações de crianças, que seja eficiente ao fazê-lo em pouco tempo, e que seja igualitária para beneficiar não apenas os países desenvolvidos, mas principalmente aqueles que navegam nas águas turvas destas palavras antigas, mas ainda tão atuais: subdesenvolvimento, pobreza, analfabetismo…