Relatos concedidos a Giselle Soares
Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE)
“Quando o celular chegou nas escolas os alunos passaram a ficar o tempo todo de cabeça baixa e celular na mão, como se fossem zumbis.”
“Com a publicação da lei que orienta o uso do celular na sala de aula e espaços escolares, já não é mais a escola, ou o professor “tal” que está pegando no pé.”
“Um ponto que os adultos da escola definimos em reunião foi que seríamos exemplos. Ou seja, estendemos a proibição para nós também.”
“O tablet é um dos itens da lista de materiais. Esta utilização, no entanto, sempre foi baseada em princípios de uso consciente.”
“Durante o período letivo, optou-se pelo desligamento do aparelho, e cada aluno deve colocar seu aparelho dentro da mochila. Caso seja verificado o uso do aparelho fora do horário permitido, uma ocorrência é registrada, e os pais são informados.”
“Essas ações têm permitido um número crescente de grupos de alunos interagindo dentro e fora da sala de aula, e isso parece estar se estendendo para além dos muros do colégio.”
Relatos concedidos a Giselle Soares
Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE)
Como a proibição por lei do uso de celulares repercute entre alunos e professores nas escolas
FOTO: FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
Em janeiro entrou em vigor a Lei 15.100/2025, que proíbe o uso de celulares durante aulas, recreios e intervalos nas escolas. A medida surgiu após intenso debate sobre como a utilização excessiva desses aparelhos, inclusive no ambiente escolar, afeta a saúde mental, física e psíquica de crianças e adolescentes.
“Quando o celular chegou nas escolas os alunos passaram a ficar o tempo todo de cabeça baixa e celular na mão, como se fossem zumbis.”
YVIRÁ conversou com dois educadores para entender como tem sido a aplicação e a repercussão da lei na prática nas escolas. Eles comentam os desafios na aceitação entre alunos e pais e os esforços dos educadores nesse novo contexto. A classe docente, afirmam os entrevistados, também pode ser um exemplo na redução do uso de telas.
“Com a publicação da lei que orienta o uso do celular na sala de aula e espaços escolares, já não é mais a escola, ou o professor “tal” que está pegando no pé.”
Jaqueline Richter
Professora de Educação Especial na Rede municipal de Venâncio Aires – Rio Grande do Sul
“O recreio era tempo de brincar, falar com amigos, correr, mas quando o celular chegou nas escolas os alunos passaram a ficar o tempo todo de cabeça baixa e celular na mão, como se fossem zumbis. O celular passou a abduzi-los durante as aulas também. E os professores, pagos para ensinar, ficávamos frustrados tentando articular estratégias, ações, mandando bilhetes, mas poucas mudanças eram percebidas.
Com a publicação da lei que orienta o uso do celular na sala de aula e espaços escolares, já não é mais a escola, ou o professor “tal” que está pegando no pé. Admito que estava ansiosa, mas os pais foram muito realistas em afirmar que o celular prejudica a atenção dos filhos. Não houve posicionamentos contrários à restrição do uso e mesmo do pedido para que os estudantes não levassem os aparelhos para a escola. Alguns estudantes levam, mas estão deixando o aparelho na mochila. Não percebi resistência deles quanto à proibição do uso.
“Um ponto que os adultos da escola definimos em reunião foi que seríamos exemplos. Ou seja, estendemos a proibição para nós também.”
Claro que, ao sair pelo portão da escola, já estão com o equipamento em mãos e fazendo os bolinhos de zumbis costumeiros. Mas, na escola, não estão mais usando. Um ponto que os adultos da escola definimos em reunião foi que seríamos exemplos. Ou seja, estendemos a proibição para nós também. Se o exemplo educa, estamos focados em diminuir a dependência do uso de telas.
As alterações estão sendo muito positivas até o momento. O recreio voltou a ter som, vida, brincadeiras, conversas e olhares. Vi um grupo de adolescentes brincando de esconder. Fiquei pasma, parece que a vida volta a fluir por seus corpos. Tenho esperança de que os pais também diminuam o uso que fazem das telas. O sugador de cérebros, o celular, faz parte da nossa vida, mas não precisa ser a nossa vida”.
“O tablet é um dos itens da lista de materiais. Esta utilização, no entanto, sempre foi baseada em princípios de uso consciente.”
Alexandre Tadeu Faé Rosa
Professor de Língua Inglesa da Rede Privada de Ensino, São Paulo – SP
“Trabalho numa instituição de ensino privada na cidade de São Paulo que sempre incentivou o uso da tecnologia para fins pedagógicos. Inclusive, o tablet é um dos itens da lista de materiais. Esta utilização, no entanto, sempre foi baseada em princípios de uso consciente.
“Durante o período letivo, optou-se pelo desligamento do aparelho, e cada aluno deve colocar seu aparelho dentro da mochila. Caso seja verificado o uso do aparelho fora do horário permitido, uma ocorrência é registrada, e os pais são informados.”
Com a implementação da lei, optou-se pela continuidade do uso consciente, e os celulares só podem ser utilizados entre as 12h30 (final do período da manhã) e 13h (início do período da tarde) e após as 18h30 (final do período da tarde) para comunicação com os pais que vêm buscar os alunos. Além disso, durante o período letivo, optou-se pelo desligamento do aparelho, e cada aluno deve colocar seu aparelho dentro da mochila. Caso seja verificado o uso do aparelho fora do horário permitido, uma ocorrência é registrada, e os pais são informados. O tablet, por sua vez, pode ser utilizado somente para fins pedagógicos.
O colégio também tem oferecido atividades durante os intervalos como meio de facilitar a interação entre os alunos. São jogos e brincadeiras que colocam os alunos em convívio social saudável. Foi curioso perceber que, desde o início das aulas, os próprios alunos têm ajudado aqueles com mais dificuldades, criando um ambiente de amizades e interações.
“Essas ações têm permitido um número crescente de grupos de alunos interagindo dentro e fora da sala de aula, e isso parece estar se estendendo para além dos muros do colégio.”
É inegável a percepção de que os alunos estão mais atentos às aulas e mais capazes de produzir o conteúdo ensinado. Trata-se, porém, de pura observação e acredito que, em breve, devemos ter estudos sobre isso. Outra observação é que todas essas ações, planejadas ou não, têm permitido um número crescente de grupos de alunos interagindo dentro e fora da sala de aula, e isso parece estar se estendendo para além dos muros do colégio. Não é raro que alunos outrora vistos sozinhos agora estejam mais inseridos socialmente.
Obviamente, nem tudo são flores. Há equipes de professores, orientadores e tecnólogos educacionais trabalhando duro para orientar e ajudar os alunos que apresentem maior resistência ou dificuldade para ficar longe do aparelho. É nosso papel pensar em formas saudáveis e responsáveis para lidarmos com as tecnologias que estão chegando e, dessa forma, evitarmos o sofrimento de alunos, pais e dos próprios educadores.”.