Yvirá Cátedra UNESCO de Educação e Diversidade Cultural UNESCO
SETEMBRO/OUTUBRO 2025 | nº3
Intervalo RESENHAS DE LIVROS, SÉRIES, FILMES

Ciência da primeira infância

Marília Zaluar Guimarães
Professora Associada UFRJ
Fundadora Rede CpE
Pesquisadora IDOR

A publicação é importantíssima também ao enfatizar a necessidade de pesquisas sobre o desenvolvimento infantil realizadas no Brasil que levem em conta nossa realidade.
O primeiro capítulo já mostra evidências de quão impactante é crescer num lar de baixo status socioeconômico, em relação a muitos aspectos futuros como escolaridade, empregabilidade, salário, criminalidade e saúde.
Dormir menos que o necessário, ou mais durante o dia que à noite na primeira infância, se correlacionam com pior desempenho em avaliações cognitivas ainda na infância ou na vida adulta.
Desde a gestação até o final da primeira infância, o tipo de parentalidade pode afetar sobremaneira o desenvolvimento, incluindo o das funções executivas.
Desde a gestação até o final da primeira infância, o tipo de parentalidade pode afetar sobremaneira o desenvolvimento, incluindo o das funções executivas.

Marília Zaluar Guimarães
Professora Associada UFRJ
Fundadora Rede CpE
Pesquisadora IDOR

SETEMBRO/OUTUBRO 2025 | n°.3 | Livro traz evidências científicas
sobre a importância de se investir em melhores condições para o
desenvolvimento das crianças na primeira infância

O período que vai até os seis anos de idade, a chamada primeira infância, é uma etapa intensa e crítica do desenvolvimento humano, pois iniciam-se os aprendizados motores, cognitivos, linguísticos e sociais. Talvez à primeira vista não pareçam aprendizados muito significativos, mas serão os alicerces para os aprendizados futuros: se não ocorrerem plenamente, atrapalham todos os demais. Reforçar isso é um dos trunfos do recém-lançado “Ciência da Primeira Infância” (Editora Edgard Blücher), livro que traz estudos de vários especialistas no tema, organizados pelo economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância e pesquisador associado da Rede CpE. A publicação é importantíssima também ao enfatizar a necessidade de pesquisas sobre o desenvolvimento infantil realizadas no Brasil que levem em conta nossa realidade. 

A publicação é importantíssima também ao enfatizar a necessidade de pesquisas sobre o desenvolvimento infantil realizadas no Brasil que levem em conta nossa realidade.

Um grande enfoque é dado para o impacto da pobreza e da desigualdade nessa etapa do desenvolvimento infantil. Isso porque não há grupo etário mais vulnerável a essas adversidades do que as crianças bem pequenas. Além disso, as famílias com crianças pequenas estão em maior porcentagem entre a população pobre ou em extrema pobreza. A pobreza é a “causa das causas” e afeta esse desenvolvimento de “n” maneiras: pela insegurança alimentar e desnutrição, pela exposição à violência e ao risco ambiental, pela discriminação e situações de estresse familiar.

O primeiro capítulo já mostra evidências de quão impactante é crescer num lar de baixo status socioeconômico, em relação a muitos aspectos futuros como escolaridade, empregabilidade, salário, criminalidade e saúde. Esses males afetam mais as famílias negras e indígenas, e das regiões Norte e Nordeste. Políticas como o Bolsa Família têm efeitos positivos, amenizando esses impactos.

Do ponto de vista biológico, situações “ambientais” também afetam o desenvolvimento infantil. Por exemplo, se durante a gestação de um bebê a mãe passa por desnutrição, esse bebê terá mais chance de desenvolver síndrome metabólica na vida adulta. O estresse e a violência sofridos pela mãe enquanto grávida também poderão aumentar as chances da criança se tornar um adulto depressivo ou com outros transtornos psiquiátricos. 

Por trás desses efeitos incidentes durante a gravidez, mas revelados posteriormente, está a epigenética. A epigenética versa sobre alterações no controle da expressão de genes que não se dá por alterações na sequência gênica. Então, em relação ao exemplo do parágrafo anterior, a desnutrição durante a gravidez causa modificações epigenéticas no feto que “programam” o organismo a armazenar gordura, preparando-o para essa mesma adversidade depois. Se esta não está mais presente, então o indivíduo acumula gordura excessivamente.

O primeiro capítulo já mostra evidências de quão impactante é crescer num lar de baixo status socioeconômico, em relação a muitos aspectos futuros como escolaridade, empregabilidade, salário, criminalidade e saúde.

Sono e cognição

Outro importante parâmetro destacado no livro é o sono. Dormir menos que o necessário, ou mais durante o dia que à noite na primeira infância, se correlacionam com pior desempenho em avaliações cognitivas ainda na infância ou na vida adulta. Também outros aspectos de saúde como a obesidade são mais frequentes em crianças e adolescentes que dormiram pouco na primeira infância. Os autores ressaltam que os cuidados com o sono da criança devem ter a mesma importância que a alimentação, para garantir um desenvolvimento pleno. 

Os cuidados parentais, por sua vez, podem influenciar muito o desenvolvimento intelectual das crianças. Desde a gestação até o final da primeira infância, o tipo de parentalidade (permissiva, ausente, autoritária ou participativa) pode afetar sobremaneira esse desenvolvimento, incluindo o das funções executivas. Essas funções são daqueles aprendizados estruturantes que determinarão outros aprendizados futuros, pois estão relacionadas à autorregulação, contenção de impulsos e manutenção da atenção para desempenhar tarefas, entre outras habilidades.

Outras adversidades se impõem como fatores determinantes no desenvolvimento infantil. Uma delas é a violência, que pode ser doméstica, violência na comunidade (como o bullying),  violência de gênero e violência coletiva (conflitos armados e violência de gênero, por exemplo). Seguindo o gancho da parentalidade, as violências domésticas são em sua maioria praticadas pelos cuidadores e podem causar problemas de comportamento externalizantes (agressividade, por exemplo) e internalizantes (ansiedade e depressão). 

Dormir menos que o necessário, ou mais durante o dia que à noite na primeira infância, se correlacionam com pior desempenho em avaliações cognitivas ainda na infância ou na vida adulta.

Escola e políticas públicas

O livro aborda ainda os benefícios de frequentar a pré-escola, considerando, claro, que a qualidade da educação infantil é determinante no efeito a longo prazo. Os processos utilizados na educação infantil com impacto mais positivo são a aprendizagem baseada no brincar, a adequação das atividades ao estágio de desenvolvimento da criança, a individualização e a criança como centro do processo de aprendizagem.

“A reflexão sobre o papel de diferentes agentes nesse complexo período da vida que é a adolescência não pode nos excluir, educadores.”

Por todo o livro há menção de políticas públicas brasileiras que são fundamentais para garantir o desenvolvimento das nossas crianças. Os autores discorrem sobre a importância do SUS e diversos de seus programas, como o de vacinação. Em relação à educação infantil, indicam, há insuficiência no número de creches para servir toda a população entre 0 e 3 anos.

A publicação acerta ao enfatizar que o estímulo a pesquisas sobre todos esses aspectos no Brasil é fundamental. Avançar em medidas públicas e avaliá-las, ressalta o livro, permitirá corrigir os rumos das políticas educacionais para crianças mais rapidamente. O conteúdo é valioso e pode ser acessado gratuitamente neste link.  

Por todo o livro há menção de políticas públicas brasileiras que são fundamentais para garantir o desenvolvimento das nossas crianças.

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