Janaina Weissheimer
Professora Titular no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas – UFRN
Colaboradora do Instituto do Cérebro – UFRN
Pesquisadora do CNPq
Membro da coordenação da Rede Nacional de Ciência para Educação – Rede CpE
Ingrid Finger
Professora Titular no Departamento de Línguas Modernas – UFRGS
Coordenadora do Laboratório de Bilinguismo e Cognição – LABICO/UFRGS
Pesquisadora do CNPq
Membro da Rede Nacional de Ciência para Educação – Rede CpE
Podemos nos tornar bilíngues em qualquer momento da vida, mesmo na vida adulta. O cérebro humano é plástico e se molda a partir das experiências que vivenciamos.
Janaina Weissheimer
Professora Titular no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas – UFRN
Colaboradora do Instituto do Cérebro – UFRN
Pesquisadora do CNPq
Membro da coordenação da Rede Nacional de Ciência para Educação – Rede CpE
Ingrid Finger
Professora Titular no Departamento de Línguas Modernas – UFRGS
Coordenadora do Laboratório de Bilinguismo e Cognição – LABICO/UFRGS
Pesquisadora do CNPq
Membro da Rede Nacional de Ciência para Educação – Rede CpE
SETEMBRO/OUTUBRO 2025 | n°.3 | Da alfabetização à cognição no envelhecimento, benefícios da escolarização bilíngue reforçam necessidade de oferecê-la em toda a rede de ensino do país
FOTO: ADOBESTOCK
Você está participando de um evento acadêmico e aguarda ansiosamente pelo coffee break. Um aluno lhe pergunta qual a sua fan fiction favorita. Uma de suas músicas prediletas na playlist é “Viva la vida” e você conhece a letra de cor. Você vai ao shopping comer uma tapioca ou uma paleta mexicana e vê duas pessoas surdas conversando animadamente em LIBRAS.
Por que o bilinguismo ainda não faz parte do currículo escolar de todas as nossas crianças? Uma das razões é o preconceito em relação às minorias linguísticas no nosso país.
Essas situações cotidianas nos fazem perceber que estamos rodeados de muitas línguas. Na verdade, há mais de 7.000 línguas convivendo no mundo, mais de 200 só no Brasil, e muitos de nós temos duas (ou mais) em nossa mente. Esse cenário nos convida a pensar: “Por que o bilinguismo ainda não faz parte do currículo escolar de todas as nossas crianças?”.
Uma das razões é o preconceito em relação às minorias linguísticas no nosso país. Muitos concordam que aprender inglês é importante, mas questionam os benefícios de se aprender outras línguas sem o mesmo prestígio na sociedade. Além disso, o bilinguismo é um campo de pesquisa relativamente recente e, por isso, ainda permeado de várias incertezas. Vamos tentar esclarecer algumas delas aqui.
Bilíngues totalmente balanceados, que são capazes de desempenhar de forma equivalente nas duas línguas, não existem.
Quem é bilíngue, afinal?
É comum as pessoas pensarem que, para alguém ser bilíngue, precisa ser igualmente fluente nas duas línguas, geralmente com um grau avançado de proficiência nas duas. Na verdade, bilíngues totalmente balanceados, que são capazes de desempenhar de forma equivalente nas duas línguas, não existem. Nossas línguas se desenvolvem de forma dinâmica e sempre seremos mais fluentes em uma língua ou outra, dependendo do uso que fazemos delas ou do contexto.
Isso porque a proficiência vai depender da quantidade e da qualidade das nossas interações. Ou seja, bilíngue é simplesmente alguém que usa duas ou mais línguas com diferentes propósitos ao interagir com pessoas distintas no mundo.
Os bilíngues possuem sotaque
Você é capaz de reconhecer um gaúcho ou um carioca quando ele pede uma informação na rua? Uma simples viagem por nosso imenso país é suficiente para nos depararmos com uma riqueza de sotaques distintos, não é mesmo? Isso nos mostra que todos temos algum sotaque, mesmo se falarmos somente português. E qual é o problema de se ter sotaque? Nenhum!
Pelo contrário, nosso sotaque é construído a partir da nossa experiência de vida em uma determinada comunidade de fala e reflete nossa identidade linguística, social e cultural. Ou seja, nosso sotaque expressa nossa subjetividade, ao mesmo tempo em que nos fornece senso de pertencimento linguístico e geográfico. Por isso, sempre teremos algum sotaque, mesmo em nossa língua materna. Então, da próxima vez que você se pegar preocupado e se esforçar para esconder seu sotaque, lembre-se disso.
Podemos nos tornar bilíngues em qualquer momento da vida, mesmo na vida adulta. O cérebro humano é plástico e se molda a partir das experiências que vivenciamos.
Quanto mais cedo melhor?
É inegável que as crianças possuem um aparato biológico em prontidão para a aprendizagem, seja de línguas ou de qualquer outra coisa. Mas podemos nos tornar bilíngues em qualquer momento da vida, mesmo na vida adulta. O cérebro humano é plástico e se molda a partir das experiências que vivenciamos.
Cérebros que vivenciam experiências ricas de aprendizagem se desenvolvem mais e melhor – aprendem a aprender – e isso acontece em qualquer fase da vida. É fato que aprender línguas cedo favorece a nossa pronúncia; por outro lado, um aprendiz mais maduro geralmente possui mais metacognição e estratégias comunicativas mais eficazes.
O mais importante é que a escola como um todo assuma uma cultura bilíngue e não só a “equipe do bilíngue”.
O bilinguismo vai muito além do inglês
O preconceito linguístico ofusca a riqueza de oportunidades de vivenciarmos o bilinguismo no nosso dia a dia, seja com línguas das regiões de fronteira, com o bilinguismo bimodal da língua de sinais, com as línguas trazidas pelos imigrantes, preservadas pelos indígenas etc. Essa diversidade linguística, tão presente em nosso país, é contemplada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue, aprovada em 2020 pelo Conselho Nacional de Educação e aguardando homologação pelo MEC. O documento reconhece que a oferta de uma língua adicional nas escolas, seja ela qual for, favorece a aprendizagem da primeira língua, podendo beneficiar tanto o desenvolvimento linguístico quanto cognitivo das crianças.
Como se faz escolarização bilíngue na prática?
Educação bilíngue pode acontecer em qualquer lugar, mas a escolarização bilíngue tem lugar especificamente na escola. Para isso, o mais importante é que a escola como um todo assuma uma cultura bilíngue e não só a “equipe do bilíngue” ou os “professores do bilíngue” que dão aula no “prédio do bilíngue”.
É preciso que as crianças se sintam livres, encorajadas e seguras para se comunicarem em qualquer língua que tiverem em seu repertório, em qualquer ambiente e com qualquer pessoa – no recreio, na cantina, no parquinho – e não apenas na sala de aula ou com o professor de línguas.
Aprender a ler e escrever em duas línguas é possível e benéfico
O bilinguismo afeta positivamente a alfabetização, pois a criança bilíngue constrói conhecimentos e desenvolve habilidades utilizando todo seu repertório linguístico. Ou seja, ao iniciar a alfabetização, a criança bilíngue não o faz apenas em uma de suas línguas; ela automaticamente vai buscar relações entre as línguas, para ir construindo suas hipóteses e estabelecendo associações. Isso acontece independentemente de as crianças se alfabetizarem primeiro na língua materna para depois se alfabetizarem na língua adicional ou simultaneamente nas duas línguas.
E como o bilinguismo afeta nosso envelhecimento?
Imagine que você coloca todo o mês um dinheirinho na poupança, durante toda a vida, para ter uma reserva quando se aposentar. Podemos pensar de forma similar no exercício mental que o bilíngue faz ora ativando ora inibindo línguas como maneira de criar uma reserva cognitiva.
Pense que o cérebro do bilíngue nunca consegue “desligar” uma das línguas. Elas ficam constantemente ativadas e isso requer um exercício cognitivo para que não se misturem durante o uso. É justamente esse exercício constante que faz uso de uma reserva cognitiva que, entre outros benefícios, pode proteger nosso cérebro do declínio cognitivo que naturalmente experienciamos ao envelhecermos. Ou seja, o bilinguismo pode nos oferecer uma vida funcional por mais tempo e até retardar os sintomas cognitivos associados a algumas doenças neurodegenerativas.
Viu só? A ciência do bilinguismo já esclareceu muitas questões. Considerando todos os seus benefícios, fica claro que oferecer escolarização bilíngue para todas as crianças da rede pública ou privada do país é urgente e necessário. Assim, poderemos dar um importante passo para garantir a educação de qualidade proposta pela Agenda 2030 da UNESCO, que inclui diminuir a desigualdade entre os países, promovendo oportunidades de aprendizagem equitativas e inclusivas.
Mas ainda existem muitos desafios na hora de implementar o bilinguismo na rotina escolar. Há escassez de material pedagógico adequado, lacunas na formação de professores, falta de uma cultura de bilinguismo na comunidade, incerteza sobre qual a carga horária ideal, apenas para citar alguns.
Por outro lado, há implementações de sucesso do bilinguismo nas escolas, inclusive na rede pública. Alguns exemplos são o município de Ibiporã, no Paraná, que oferece ensino bilíngue português-inglês para todas as crianças; a escola Maria Emília, de Sapiranga, no Rio Grande do Sul, que se tornou bilíngue em 2023, e a Escola Municipal Indígena Wazare, localizada na Terra Indígena Utiariti, no Mato Grosso, que mantém no currículo o ensino da língua tradicional “Aruak”, sua língua materna, e inclui o português como segunda língua.
E você? Como faz o bilinguismo acontecer na sua escola?