Paulo Mattos
Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino
“O mundo online frequentado por Jamie incluía mídias que cultuam o separatismo masculino, com os chamados incels (celibatários involuntários) culpando mulheres por não conseguirem ter sexo e redpills “descobrindo” a verdade sobre as mulheres serem interesseiras e opressoras.”
“Não seria a misoginia e todos os seus corolários fenômenos meramente amplificados pelos algoritmos, com as “câmaras de eco” e o “efeito manada”?”
“Caberia licença para imaginar como os professores de Jamie se sentiram ao se darem conta da dedicação para ensinar Revolução Industrial – mencionada por ele na série como um tema escolar que gostava – sem, talvez, abordar a misoginia que a todos cercava há muito tempo.”
“A reflexão sobre o papel de diferentes agentes nesse complexo período da vida que é a adolescência não pode nos excluir, educadores.”
Paulo Mattos
Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino
Série expõe o impacto de descobrir (tarde demais) o que acontece com nossos filhos no mundo virtual
“Adolescência”, a nova série da Netflix, rapidamente se tornou um hit e assunto presente na mídia. Em poucas semanas, alcançou o primeiro lugar na plataforma em mais de 70 países. A produção conta a história de Jamie (Owen Cooper), um adolescente de 13 anos acusado de assassinar a colega de classe Katie (Emilia Holliday), no norte da Inglaterra. A série foi filmada em planos-sequência, quer dizer, toda a ação ocorre sem cortes, o que oferece uma experiência imersiva e retrata os eventos em tempo real, desde a prisão de Jamie até as complexas dinâmicas familiares e sociais que emergem posteriormente.
A estética intimista com planos fechados, luz natural e movimentação quase documental recorre à exposição desconfortável de emoções e à dificuldade para verbalizar, à medida que diferentes camadas de um mundo online desconhecido vêm à luz, fazendo com que o espectador se identifique com as personagens. A série dramatiza nossas reações frente ao impacto de descobrir tarde demais o que acontece com nossos filhos fora de nosso “radar”.
“Adolescência”, a nova série da Netflix, rapidamente se tornou um hit e assunto presente na mídia. Em poucas semanas, alcançou o primeiro lugar na plataforma em mais de 70 países. A produção conta a história de Jamie (Owen Cooper), um adolescente de 13 anos acusado de assassinar a colega de classe Katie (Emilia Holliday), no norte da Inglaterra. A série foi filmada em planos-sequência, quer dizer, toda a ação ocorre sem cortes, o que oferece uma experiência imersiva e retrata os eventos em tempo real, desde a prisão de Jamie até as complexas dinâmicas familiares e sociais que emergem posteriormente.
“O mundo online frequentado por Jamie incluía mídias que cultuam o separatismo masculino, com os chamados incels (celibatários involuntários) culpando mulheres por não conseguirem ter sexo e redpills “descobrindo” a verdade sobre as mulheres serem interesseiras e opressoras.”
A estética intimista com planos fechados, luz natural e movimentação quase documental recorre à exposição desconfortável de emoções e à dificuldade para verbalizar, à medida que diferentes camadas de um mundo online desconhecido vêm à luz, fazendo com que o espectador se identifique com as personagens. A série dramatiza nossas reações frente ao impacto de descobrir tarde demais o que acontece com nossos filhos fora de nosso “radar”.
“Não seria a misoginia e todos os seus corolários fenômenos meramente amplificados pelos algoritmos, com as “câmaras de eco” e o “efeito manada”?”
O mundo online frequentado por Jamie incluía mídias que cultuam o separatismo masculino, com os chamados incels (celibatários involuntários) culpando mulheres por não conseguirem ter sexo e redpills (uma alusão ao filme Matrix) “descobrindo” a verdade sobre as mulheres serem interesseiras e opressoras. O conteúdo da chamada “manosfera” ou “machosfera” é basicamente misógino e apresenta as mulheres como objetos, inimigas e, principalmente, presas potenciais.
Pesquisadores concordam que os transtornos mentais (a maioria começa já na adolescência) dependem de fatores genéticos, familiares (ambientais não-genéticos) e experiências pessoais. O impacto da tecnologia, entretanto, parece depender do histórico individual, das plataformas e do tipo de conteúdo consumido online. Estudos indicam que a forma como os jovens respondem às redes sociais varia significativamente.
“Caberia licença para imaginar como os professores de Jamie se sentiram ao se darem conta da dedicação para ensinar Revolução Industrial – mencionada por ele na série como um tema escolar que gostava – sem, talvez, abordar a misoginia que a todos cercava há muito tempo.”
A revista Nature, uma das mais importantes publicações científicas, comentou em editorial de abril de 2025 que não há consenso sobre a ideia de que smartphones e redes sociais sejam responsáveis pelo aumento preocupante de problemas de saúde mental entre adolescentes. Esta ideia ganhou fôlego com o psicólogo Jonathan Haidt, autor do best-seller “A Geração Ansiosa”, que argumenta que a adoção de smartphones e redes sociais por adolescentes é a principal causa da “onda de doenças mentais em adolescentes iniciada no começo da década de 2010”.
Embora estudos sobre o impacto do uso de smartphones na cognição tragam evidências sólidas, uma análise de 25 revisões publicadas entre 2019 e 2021 mostrou, na maioria dos casos, associações fracas ou inconsistentes entre o uso de redes sociais e a saúde mental de jovens, embora algumas dessas análises tenham interpretado essas relações como significativas e prejudiciais.
A disparidade destes resultados pode ser explicada, em parte, por limitações metodológicas: autorrelatos sobre o tempo de uso das telas (habitualmente imprecisos), sem diferenciação entre as diversas atividades que os adolescentes realizam nos dispositivos. Além disso, estudos observacionais não permitem estabelecer relações de causa e efeito, apenas levantar hipóteses.
“A reflexão sobre o papel de diferentes agentes nesse complexo período da vida que é a adolescência não pode nos excluir, educadores.”
Origem da misoginia
Menos evidente ou menos comentada – apesar de sugerida na série – é a ideia de que a misoginia encontrada nas mídias sociais não tem ali sua origem.
Segundo Stephen Graham, roteirista e ator de “Adolescência”, a produção foi inspirada em casos reais de adolescentes homens que assassinaram meninas. Claro que já poderia ser a expressão do consumo de material misógino pela internet. Porém, algumas estatísticas oficiais apontam para outra hipótese: mais de uma mulher – adulta – é assassinada a cada semana pelo parceiro atual ou por um ex-parceiro, na Inglaterra e País de Gales. Não seria a misoginia e todos os seus corolários fenômenos meramente amplificados pelos algoritmos, com as “câmaras de eco” e o “efeito manada”?
A série apresenta de modo primoroso as reações de pais quando se dão conta do desconhecimento do mundo online que os filhos frequentam, com temas jamais discutidos em casa. Neste texto destinado principalmente a educadores, caberia licença para imaginar como os professores de Jamie se sentiram ao se darem conta da dedicação para ensinar Revolução Industrial – mencionada por ele na série como um tema escolar que gostava – sem, talvez, abordar a misoginia que a todos cercava há muito tempo.
No Brasil, a lei federal 14.164/2021 criou a “Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher”, em que escolas públicas e privadas devem propor atividades para conversar sobre violência de gênero. Ensinamos gramática, geometria, biologia, mas pouco ou nada falamos de misoginia, homofobia, racismo, na grande maioria das escolas.
A reflexão sobre o papel de diferentes agentes nesse complexo período da vida que é a adolescência não pode nos excluir, educadores. Especialmente no que diz respeito à omissão. “Adolescência” é um grande reforço disso.