Yvirá Cátedra UNESCO de Educação e Diversidade Cultural UNESCO
JULHO/AGOSTO 2025 | nº2
Cadê a prova? ARTIGO

Por que nossas crianças não aprendem?

Naercio Menezes Filho
Economista e Professor Titular da Cátedra Ruth Cardoso, Insper
Professor associado – Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP

Estudos mostram que os municípios que conseguem aumentar a parcela de jovens que tiveram aprendizado adequado na sua vida escolar têm maior geração de empregos e diminuição da violência nos anos subsequentes.

Uma das principais barreiras para melhorar a educação no país pode estar na preparação para a vida escolar, antes mesmo de as crianças entrarem na escola.

É importante a criação de um sistema nacional de educação, da mesma forma que ocorre na saúde (SUS) e na assistência social (SUAS).

Naercio Menezes Filho
Economista e Professor Titular da Cátedra Ruth Cardoso, Insper
Professor associado – Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP

JULHO/AGOSTO 2025 | nº2 | Vulnerabilidade familiar, problemas no próprio sistema escolar e falta de prioridade política impactam melhora da educação no país

 FOTO: FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

Tanto o acesso quanto a permanência dos alunos nas escolas melhoraram muito nas últimas décadas. A porcentagem de jovens que têm ensino médio ou superior aumentou de 25% em 1980 para 90% em 2023. Esse mesmo salto, porém, não se reflete em um melhor aprendizado dos estudantes. No mesmo ano de 2023, 62% dos alunos brasileiros estavam no nível mais baixo em matemática no 8º ano, de acordo com o estudo internacional TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), que avalia o desempenho de alunos em matemática e ciências. Por que temos tanta dificuldade para melhorar a qualidade da nossa educação?

Estudos mostram que os municípios que conseguem aumentar a parcela de jovens que tiveram aprendizado adequado na sua vida escolar têm maior geração de empregos e diminuição da violência nos anos subsequentes. Municípios como Sobral (CE), por exemplo, conseguiram aumentar bastante o aprendizado dos alunos no ensino fundamental no início deste século, através de uma série de medidas concentradas na alfabetização dos alunos.

Porém, atualmente, cerca de ¼ dos nossos jovens não têm expectativas de crescimento profissional, trabalham em ocupações precárias, como entregadores e motoristas por aplicativo, por exemplo, correndo sérios riscos de acidentes e incertezas salariais. Assim, uma educação de qualidade é um dos principais caminhos para também melhorar a qualidade de vida nas cidades.

Desenvolvimento pleno

Uma das principais barreiras para melhorar a educação no país pode estar na preparação para a vida escolar, antes mesmo de as crianças entrarem na escola. Infelizmente, muitas delas passam a infância em situação de pobreza, em regiões com altos índices de criminalidade, falta de saneamento básico e moradias inadequadas e têm problemas familiares, o que pode afetar o desenvolvimento em um período altamente sensível.

Sabemos que a primeira infância, período que vai do nascimento aos seis anos de idade, é fundamental para o futuro das crianças. É neste período que as habilidades cognitivas e socioemocionais são desenvolvidas mais rapidamente, preparando a criança para o aprendizado na escola e para o seu desempenho no mercado de trabalho.

Para seu desenvolvimento pleno, as crianças precisam de programas sociais intersetoriais, que atuem de forma simultânea em áreas como educação, saúde, assistência social e saneamento básico. O que vemos hoje é o contrário: falta diálogo entre políticas de diferentes áreas e ministérios.

Além disso, há problemas no próprio sistema escolar. Mesmo quando as crianças chegam mais preparadas na escola, muitas delas não conseguem aprender o que é lecionado. É essencial que tenham períodos definidos para aprender, dormir, brincar, jogar e interagir com as demais crianças, para começar a prepará-las para a vida e para o aprendizado. Mas diversas avaliações mostram que isso não acontece: as creches não têm currículo adequado e muitas vezes funcionam em condições precárias.

A avaliação SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) mostrou que 50% das crianças chegam ao 2º ano do ensino fundamental sem estarem alfabetizadas. Obviamente, sem alfabetização adequada, estas crianças não conseguirão obter conhecimento no futuro, tampouco desempenhar-se bem nas avaliações de aprendizado.

Além disso, quando chegam no ensino fundamental, a maioria das crianças fica pouco tempo na sala de aula. Muito tempo é perdido devido à ausência de alunos, problemas de disciplina e falta de professores, que muitas vezes enfrentam diversos obstáculos para conseguir ensinar na sala de aula.

Em termos de gestão escolar, um dos principais problemas é a alta rotatividade dos diretores de escolas. Além disso, muitos deles ainda são escolhidos por indicação e não por critérios técnicos.

Incentivos e prioridades

Do ponto de vista político, há outros problemas. Políticas públicas implementadas na pré-escola, por exemplo, só impactarão a geração de empregos e a redução de criminalidade nos municípios mais de 11 anos depois, quando o prefeito já não estará mais no poder. Assim, os governantes têm menos incentivos para quebrar resistências e adotar políticas bem-sucedidas para melhorar o aprendizado.

Além disso, as mudanças constantes de prefeitos e governadores a cada eleição também são acompanhadas por alterações nas equipes de gestão educacional. Trocas constantes e a falta de continuidade nas políticas educacionais têm impacto importante no aprendizado dos alunos.

Como podemos fazer para solucionar pelo menos parte destes problemas? Em primeiro lugar, é importante a criação de um sistema nacional de educação, da mesma forma que ocorre na saúde (SUS) e na assistência social (SUAS). Na saúde, por exemplo, as tarefas estão bem divididas entre o governo federal, estados e municípios. É preciso que isto ocorra também na educação.

Ao governo federal caberia reunir as políticas mais efetivas para aumentar o aprendizado, disponibilizá-las para as redes estaduais e municipais, e apoiar a formação dos gestores para implementar estas políticas. Os municípios que implementassem estas políticas com sucesso receberiam incentivos financeiros.

O governo federal age corretamente ao preparar um concurso nacional docente, com uma classificação geral dos professores, para que as redes estaduais e municipais escolham os professores mais adequados para sua rede. Estes, por sua vez, à medida que conseguirem melhorar o aprendizado dos alunos ao longo do tempo, com medição por meio de provas padronizadas, devem ter seu desempenho reconhecido e receber premiações públicas. Finalmente, o governo federal deve estabelecer metas de aprendizado para cada escola, tendo como referências o seu desempenho passado, e premiar as escolas que atingirem essas metas.

Sabemos que as dificuldades são muitas, passando pela própria vulnerabilidade das famílias, deficiências na gestão escolar e falta de prioridade política. Há um longo caminho ainda a percorrer. Mas não podemos deixar que os alunos sigam aprendendo muito pouco. A necessidade de mudanças é premente. E nosso guia deve ser a certeza de que a educação é crucial para que nossas crianças e jovens tenham um futuro promissor e condições de realizar seus sonhos, com mais igualdade de oportunidades.

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